Seguimos, eu e Dona Rosa, em busca do carimbo! Ah, se este carimbo soubesse o que ele é capaz de fazer na vida de um paciente!
Apresentamo-nos na porta da Ouvidoria, cuja placa diz: "OUVIDORIA - Bata na porta e aguarde.".
Assim o fizemos e sentamos. Em alguns minutos, um senhor sai. Uma mulher sisuda, que lhe abre a porta, olha a pequena sala como que conferindo o que a esperava por ali. Chama uma outra senhora que já esperava. Esta sorri dizendo: "- Olha, só vim dar um presentinho." e com esta frase tirou um sorriso amarelo da criatura.
A senhora entra e sai alguns poucos minutos depois. Outra olhadela da mulher, sisuda de meter medo! Só estávamos nós. Sem dizer nada, apenas lançando um temível e poderoso olhar, fechou a porta. Aguardei um ou dois minutos e bati à porta, dizendo:
- Por favor, liguei há instantes atrás e fui orientada que reclamações só são aceitas pessoalmente ou por e-mail. Alguém pode nos atender?
Em resposta, proferiu outro olhar lancinante para a placa que estava na porta, dizendo: "- Sim, a sra pode aguardar que eu já chamo." A percepção foi de que o protocolo deveria ser cumprido: bater e esperar.
Esperamos. Nem 10 segundos após fomos convidadas a entrar e recepcionadas docemente por aquela expressão de meter medo em qualquer um. Procurei manter meu estado meditativo, expus o ocorrido e disse-lhe que - além de ter registrado a reclamação por e-mail - estava ali para expor o caso pessoalmente.
Educadamente recebemos a doutrina sobre o tal "protocolo", sobre o que seria a função da "ouvidoria", após perguntar-lhe seu nome, visto não ter sequer se apresentado, dei-lhe as informações que julguei necessárias como número do prontuário da paciente. Perguntei-lhe: - Sabe nos explicar como é o processo de atendimento para consulta clínica dos pacientes e onde ocorreu o erro?
- Claro! respondeu quase ofendida. O médico atende, dá a receita que a enfermeira tem que carimbar, mas por um erro não carimbou. O erro foi da enfermeira que não carimbou!
Pedi à Dona Rosa, paciente experiente, que contasse de maneira mais clara o que acontecia quando ela vinha para consulta. Gentilmente, ela respondeu, mesmo frente à impaciente comunicação não verbal da "ouvidora", dizendo inclusive que não havia sido atendida por nenhuma enfermeira.
Pedi novamente uma solução mais ágil para a Dona Rosa que a esta altura estava hipoglicêmica. Ouvimos que a solução seria levar o ocorrido para a Diretoria. Decidi mudar a abordagem e indaguei:
"- Pode, então, nos ajudar? O que D. Rosa deve fazer agora."
Obviamente, ouviu-se: "-Pegar o carimbo da enfermagem!".
Sim, mas como? Haveria D. Rosa de realizar todo o processo novamente, pegando as filas agora já muito longas em vista do horário e atrasos já ocorridos? Haveria tempo de D. Rosa ainda sair dali, pegar ônibus e retirar os medicamentos na farmácia antes do fechamento, visto que a prescrição previa início do tratamento na manhã do dia seguinte?
Pedindo um momento, ligou para alguém,, fez duas ou três colocações sobre o caso e pediu-nos que a acompanhássemos. Saimos da sala e passamos em frente àquela exposição de quadros, muito bonita realmente, uma das iniciativas de humanização. Recebemos dois crachás para acesso e a orientação para nos apresentarmos na recepção do 5º andar para retirada de uma senha de atendimento.
Seguimos. D. Rosa incansável e preocupada com meu horário e meus afazeres. Imagine, dizia ela, largando tantas coisas mais importantes para ajudar uma velha doente como eu!
Sinais dos novos tempos, pensei. Já está acostumada com o comportamento atual, onde a #solidariedade sem dúvida não está nos top trends do tweeter.
Pegando a senha, aguardamos numa sala lotada de pacientes. Preocupei-me com a claudicante D. Rosa, tanto tempo em pé, mas rapidamente fomos chamados na senha do painel: 197 - sala 26.
D. Rosa, insegura, pediu-me que a acompanhasse. Entramos, saudamos as duas enfermeiras presentes na sala (assim diziam os crachás).
- Senha 179?- perguntou uma delas
- Não, senha 197 - respondi.
- Mas eu chamei a senha 179. Não 197. - disse a enfermeira com tom de austeridade.
Humildemente e ainda pedindo aos anjos do céu um pouco mais de tolerância pedi desculpas e disse que deveria haver algum problema no painel pois apontava senha 197 - sala 26.
Então, ambas decidiram checar se realmente isso seria verdade, dizendo: - Como assim, não é possível!
Olhando no computador e observando que havia um engano da parte delas, pediram o papel da senha e constataram o erro dizendo: - Ah, é mesmo, desculpe, podem sentar.
Dirigindo-se à outra enfermeira que manteve-se de pé assistindo a cena, perguntou: - É ela?
Desconcertada, recebeu um olhar crítico daquela que parecia ser a "chefe do setor". Esta demonstrou ciência com um balançar de cabeça e assumiu a frente. Confirmou alguns dados como nome, idade, peso, se era a primeira vez que tomava o medicamento.
D. Rosa respondeu a tudo, intrigada e insegura, afinal, ela não sabia destas coisas? O médico não escrevia tudo no computador? - perguntou-me a velhinha.
Então, 4 das folhas da papelada que D. Rosa havia recebido, foram solicitadas e FINALMENTE, carimbadas!
Agradecidas, seguimos eu e D. Rosa para a farmácia. Repetimos o trajeto, reapresentamos a senha dada anteriormente, que habilmente D. Rosa tratara de guardar consigo e, explicando a situação, sensibilizamos a recepcionista que solicitou prioridade no atendimento.
Após 30 minutos, o farmacêutico que nos atendera anteriormente, pegou as 4 folhas carimbadas, disse-nos que precisava apenas da cópia da receita e nos devolvendo todo o resto, alegremente e com grande sorriso estampado no rosto disse:
- Pode deixar que JÁ estamos providenciando a separação do medicamento com prioridade!
Sobre a reclamação? Não, lá se vão quase 10 dias sem posicionamento.
Certamente estão providenciando uma outra iniciativa de humanização. Talvez, Mozart ao piano ou a Sonata nº 1 de Bach ao violino, que lhe parece?
Grande abraço,
Jessica M Gomes